Para analistas, foco do debate político entre Lula e Bolsonaro pode deixar mais distante agenda de reformas e possível governo de centro
A decisão na tarde da segunda-feira (8) do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), caiu como uma bomba no mercado financeiro. Fachin anulou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e do Instituto Lula, o que torna o petista novamente elegível até que os processos sejam apreciados novamente ou até a próxima reviravolta. A Procuradoria Geral da República deve recorrer da decisão.
A notícia instantaneamente pressionou o dólar e fez a bolsa de valores, que já estava em queda, cair ainda mais. A moeda americana fechou o dia em alta de 1,7%, a quase R$ 5,78, o maior valor desde maio. O Ibovespa, índice de referência da bolsa, despencou 4%.
Mas, mais do que piorar indicadores que já viviam as piores semanas em meses, a decisão trouxe aos economistas, analistas e investidores uma série de dúvidas e ainda mais incertezas sobre o que pode acontecer com a política, a economia e os ativos do país.
A única certeza é que a possibilidade de volta ao jogo de Lula deixa o cenário ainda mais turvo. Isso traz mais volatilidade para as ações e pode tornar ainda mais difícil a tarefa de controlar o dólar. Dólar ainda mais caro, por sua vez, piora a inflação, força a uma subida mais rápida dos juros e atrapalha ainda mais a recuperação econômica.
Além disso, a possibilidade, mesmo que ainda distante, de um embate político entre o petista e o presidente Jair Bolsonaro, cuja agenda original de reformas e privatizações já vinha sendo posta a prova, também deixa ainda mais distante o sonho liberal que o mercado financeiro chegou a ter com Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes.
"A situação coloca lado a lado dois candidatos, na verdade, muito parecidos [na economia]. Bolsonaro nunca foi de fato liberal e isso ficou cada vez mais claro nos últimos meses." Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados
Para Vale, a elegibilidade de Lula "mata as chances de um centro democrático". "É um cenário bastante ruim para o mercado e pode-se esperar taxa de câmbio crescendo, inflação acelerando mais, o Banco Central tendo que ser ainda mais agressivo nos juros e a bolsa com muita volatilidade", disse.
Nelson Marconi, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), não acredita que o novo possível concorrente leve Bolsonaro a retroceder na atual agenda liberal --embora, ressalva, essa agenda já esteja fraca há algum tempo.
“Acho difícil Bolsonaro mudar sua política econômica”, disse Marconi, que é coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo FGV e integrou a equipe econômica da candidatura de Ciro Gomes em 2018. “Boa parte do apoio que Bolsonaro tem no mercado financeiro vem de Paulo Guedes e de uma pretensa agenda de reduzir o Estado e fazer reformas. Essa agenda, porém, já não estava acontecendo.”
Oponente para 2022
Na visão do economista-chefe da corretora Necton, André Perfeito, se a economia já tinha grandes incertezas, o fator político vai prejudicar ainda mais os investimentos e até mesmo uma recuperação.
Ele lembra do levantamento feito pela consultoria Inteligência em Pesquisa e Consultoria, que é da ex-estatística do Ibope Márcia Cavallari. Divulgada no domingo, a pesquisa mostra que Lula possui, hoje, um potencial de voto maior do que o do presidente Bolsonaro. Logo, se Bolsonaro já estava pensando em 2022, esse é um fator que vai antecipar ainda mais a disputa eleitoral.
"O Lula voltou, o que era algo que ninguém mais pensava, e ainda com potencial de voto. Todos esses acontecimentos aumentaram muito a incerteza e teve um forte impacto no preço dos ativos." André Perfeito, economista-chefe da Necton
Não por acaso, Perfeito já enxerga que é bem possível que, na semana que vem, o Comitê de Política Econômica (Copom) do Banco Central aumente a atual taxa de juros em 0,5 ponto percentual, de volta aos 2,5% ao ano. "Em uma economia já fraca, isso complica ainda mais o cenário."
Mais incerteza para os estrangeiros
Adriano Cantreva, que é sócio da gestora de recursos Portofino, destaca a piora que mais esta reviravolta política causa na imagem do estrangeiro com o Brasil. Ele define o atual cenário, com a pandemia descontrolada, falta de vacinação e instabilidade política e econômica, como “desanimador, para dizer o mínimo”.
“O que o Brasil precisa é de estabilidade e um pouco de consistência. Precisa de um planejamento de longo prazo. Fatores como esses que estão acontecendo só deixam o investidor internacional mais ressabiado”, diz Cantreva.
A Portofino, hoje, administra R$ 7 bilhões em ativos. A ideia de Cantreva é que esse valor mais do que dobre ainda em 2021. Questionado se pretende ficar exposto ao mercado brasileiro, ele é direto: “O Brasil representa menos de 3% dos ativos globais. Qualquer investidor precisa começar a explorar os outros 97%.”
Pandemia é pior
Erminio Lucci, presidente da corretora BGC Liquidez, reforça que é preciso aguardar as decisões da Procuradoria Geral da República (PGR) e do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) para saber se essa decisão vai, de fato, antecipar as eleições de 2022. O problema, para ele, ainda é a pandemia.
Com a taxa de desemprego próxima de 14% e uma recuperação econômica possível somente no segundo semestre de 2021, Lucci acredita que o foco do Brasil precisa ser a vacinação e o andamento das reformas.
"A economia real continua sofrendo bastante e não temos um fator positivo sob nenhuma ótica." Erminio Lucci, presidente da corretora BGC Liquidez
De acordo com Lucci, se as reformas não caminharem no Congresso, a percepção negativa do investidor estrangeiro vai piorar ainda mais. Mesmo assim, ele não enxerga espaço para todas serem aprovadas até o fim deste ano, especialmente a tributária. “O estrangeiro tem muito pouco motivo para investir aqui e ele está cada vez menos no Brasil”, diz.
FONTE: CNNBRASIL.COM.BR
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